quarta-feira, 20 de junho de 2012

Assim Nascem os Bairros em São Paulo: Deslocamento Desordenado das Massas

Vila Nova Conceição, antiga periferia de São Paulo


O movimento das cidades obriga o deslocamento (constante) de antigos moradores, que formaram o núcleo dos nascedouros de vários bairros periféricos de São Paulo, e que foram responsáveis pelo desenvolvimento local criando o primeiro contorno das relações sociais entre grupos étnicos diferentes, mas semelhantes nas necessidades.
Há todo um decretar dos gabinetes do poder do Estado, que determinam onde e quando se deve expandir determinada área física da cidade e “fabricar condições” que obriguem a "identidade enraizada" por longo tempo de “pertencimento” local a se deslocar de onde já existia certo vínculo de relação de comprometimento entre os seus habitantes originais, e que de certa maneira cooperavam entre si nas moradias, poços d’água, roçados, caminhos que originaram depois as ruas oficiais, e outras necessidades pertinentes, contornando deste modo as carências locais.
CHÁCARA NA RUA JACQUES FELIX NA VILA NOVA CONCEIÇÃO/SP
CHÁCARA "HOJE"

Este ciclo de deslocamento de grupos de um local a outro demanda(va) algumas décadas para serem considerados regularizados, fomentando "contratos de compra e venda" de sustentação cartorial de registro com uma estrutura criada por  “terreiristas” que não registravam estes loteamentos, dificultando as escrituras definitivas. Por outro lado isto fornecia um cenário que fortalecia o interesse por parte do poder de apoderar-se das áreas de interesse do desenvolvimento “urbano” ampliando seus tentáculos nos espaços “suburbanos”, determinando qual o modelo que compete seguir para ampliação da cidade. Resulta nesse modelo viciado,  uma série de medidas administrativas impostas de valorização que redigida através das câmaras administrativas, elaboram os decretos leis necessários para o empreendimento que se quer implantar. A periferia não tem, dentro do plano diretor da cidade, um planejamento de ocupação do espaço geográfico.

Vamos exemplificar observando todo este processo de deslocamento da cidade naquilo que anteriormente eram chácaras e sítios de subsistência e de abastecimento do núcleo da cidade de São Paulo e que seus antigos proprietários ou arrendadores são obrigados a se deslocarem para outras áreas físicas buscando outro espaço para as suas necessidades de subsistência, pois agem sobre estes as políticas públicas  e financeiras em detrimento do social, este último sempre à margem da Metrópole. Tomemos um exemplo prático, de bairros avizinhados da capital paulista:

Em 1944 no bairro da Vila Nova Conceição, na época periferia de São Paulo, hoje área urbana “gentrificada”, enobrecida por uma série de transformações, moravam muitos operários que davam suporte de mão de obra, de pouca qualificação, ao desenvolvimento da cidade e ali residiam, pedreiros, padeiros, feirantes, carroceiros, jardineiros, cozinheiras, e uma gama de outros ofícios que por sua vez alimentavam com seus serviços as regiões dos Jardins, e outros assemelhados bairros planejados por grupos de expansão imobiliária com conhecimento de arquitetura proveniente da Europa, tendo como exemplo deste modelo a Cia City[1], que depois ampliou sua participação para, por exemplo, Santo Amaro (Campo Grande, próximos a Interlagos) local tipicamente ocupado por imigrantes que se organizaram e se miscigenaram com a estrutura anterior de caboclos da região.
VILA NOVA CONCEIÇÃO: CASAS DE MADEIRA E CRIAÇÃO DE PEQUENOS ANIMAIS

Na Vila Nova Conceição, separada do Itaim Bibi, pela Avenida Santo Amaro, havia a necessidade mínima em se manter estes servidores braçais e para isso foi determinado por decreto-lei a construção de uma escola infantil, para toda “prole” deste proletariado, mão de obra usada na expansão de São Paulo. Assim em 1944 se determinava a prefeitura de São Paulo:
VILA NOVA CONCEIÇÃO: LOCAL DA ESCOLA IMPLANTADA EM 1944(AO FUNDO IGREJA SÃO DIMAS NA RUA DOMINGUES FERNANDES) - Foto: Oswaldo Valente
IGREJA SÃO DIMAS: HOJE

Decreto nº 532, de 21 de agosto de 1944
Declara de utilidade publica áreas de terreno necessárias à construção e instalações destinadas à educação infantil.
O prefeito do município de São Paulo, usando de suas atribuições na conformidade do disposto no artigo 6º do decreto-lei federal nº 3.365, de 21 de junho de 1941,
Decreta:
Art. 1º - Ficam declaradas de utilidade pública, para o fim de serem desapropriados judicialmente ou mediante acordo, os imóveis situados na quadra compreendida entre as ruas Braz Cardoso, Jacques Felix, Domingos Fernandes e Domingos Leme, figuradas na planta anexa, devidamente rubricada pelo Prefeito, e necessárias à construção e instalações destinadas à educação infantil.
Art. 2º - É de natureza urgente a desapropriação de que trata o presente decreto, de acordo com o disposto no artigo 15 do citado decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941.
Art. 3º - As despesas com a execução do presente decreto ocorrerão por conta de verba própria (n. 99-8392) do orçamento vigente.
Art. 4º - Este decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Prefeitura do Município de São Paulo, 21 de junho de 1941,, 391º da fundação de São Paulo.
O Prefeito
Francisco Prestes Maia
O Diretor Subst. do Departamento do Expediente e do Pessoal
Paulo Teixeira Nogueira
O Diretor do Departamento de Obras Públicas
João Florence de Ulhôa Cintra
Pelo Diretor do Departamento Jurídico
J. Avila D. Junqueira

Com o tempo a cidade foi se transformando e expandindo, necessitando de novas áreas para que o setor imobiliário ampliasse a demanda de procura e oferta por moradia ou escritórios de serviços. A cidade ainda não requeria grandes edificações e a maioria das residências eram térreas ou assobradadas, numa conformidade horizontal.
Estes decretos leis são aplicados como instrumentos administrativos que possibilitam dar legitimidade no que deve tramitar dentro dos interesses da cidade. Assim uma área considerada de interesse público, mas que deve ser vista mais como de interesse imobiliário, ganha conotação de prioritário e as demandas do Estado são por consenso através de acordo ou por ação judicial.
O documento acima (Decreto nº 532, de 21 de agosto de 1944) originou a “Escola Estadual Martim Francisco”, onde muitos jovens estudaram e eram filhos dos trabalhadores que viviam na “periferia” paulistana de Vila Nova Conceição.
Há poucas décadas existiam espaços vazios no referido bairro, onde proliferavam campos de futebol, o lazer mais comum das áreas onde se concentravam o maior número de operários, mas depois houve uma demanda grande de áreas pelo setor imobiliário que resultou na ocupação destas áreas de várzea, havendo deslocamento de um contingente de artífices para Santo Amaro, e que foi usado como força de trabalho nas indústrias locais, em franca expansão, resultando numa gama grande de novos bairros oriundo deste deslocamento, dessa massa de “exército de reserva de mão de obra” que residiam na região do Itaim Bibi e Vila Nova Conceição. Não havia implantação de infra-estrutura básica  nestes novos bairros implantados na região de Santo Amaro, como água canalizada, energia elétrica, esgoto além de escolas secundárias, hospitais, áreas lúdicas, transporte, obrigando a população a se organizar em Sociedades Amigos de Bairros, mas também controlada pelo poder público, que dava apenas o mínimo de sustentabilidade local nestes loteamentos, com por exemplo "arruamentos", sendo que estes locais tornavam-se  também “curral político”, fomentado pela barganha do voto.
Assim se formaram muitos dos bairros operários que em poucas décadas foram transformados em espaços de interesse dos grandes investimentos imobiliários, onde residirão (ou residem) um contingente que não possui vinculo algum com o local, apenas adquiriram um bem patrimonial para valorização futura, não possuindo história com o novo habitat.
VILA NOVA CONCEIÇÃO: FREI JUSTINO APOIO SOCIAL - Foto: Oswaldo Valente

Voltemos ao documento que originou a escola estadual na Vila Nova Conceição, implantada em um terreno municipal (veja acima o decreto-lei de 1944). Esta escola tornou-se “vilã do progresso”, pois fora implantada em terreno atualmente super valorizado de 10 mil metros quadrados onde apartamentos, não mais casas, mas uma verticalização constante,  são vendidos na região por até R$ 5,5 milhões.
VILA NOVA CONCEIÇÃO: ÁREA VALORIZADA DE INTERESSE IMOBILIÁRIO

Esta área está avaliada em mais de R$ 30 milhões, são a cobiça financeira de empreendedores imobiliários de certos grupos empresariais que queriam barganhar esta área valorizada financeiramente por outra área próxima da periferia da cidade, até em outro município vizinho, em acerto com o governo estadual e municipal, onde se construiriam conjuntos habitacionais para pessoas de baixa renda, quem sabe, hipoteticamente, filhos, ou netos dos antigos operários da antiga periferia de São Paulo, a Vila Nova Conceição.
VILA NOVA HOJE: O CAPITALISMO VIVE DE SUA PRÓPRIA DESTRUIÇÃO

As sutilezas do Estado para que haja ocupação de área física pelos investidores imobiliários, criou-se na atualidade as parcerias entre ambos originando  a CEPAC, Certificados de Potencial Adicional de Construção, criada para investimentos públicos em áreas de interesse de mercado, ou seja, onde esta sendo implantado o investimento imobiliário, valorizando mais ainda estas áreas, estes títulos são “leiloados” pela Bovespa, e serão aplicados em áreas de interesse do investidor, jamais estes recursos serão aplicados para melhorias da periferia de São Paulo[2].  





[1] A City of São Paulo Improvements and Freehold Land Company Limited foi fundada em 1912, e ficou conhecida com o nome de Companhia City, urbanizando vários bairros de São Paulo, adquirindo áreas da “Freguesia da Consolação” sendo responsável também pela implantação de muitos projetos nas várzeas paulistana.

[2] UMA PONTE PARA A ESPECULAÇÃO- ou a arte da renda na montagem de uma “cidade global”-Mariana Fix, arquiteta e urbanista da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

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