quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Circuito de Itapecerica / SP

Berço do pioneirismo Automobilístico brasileiro


A cidade de São Paulo possuía em 1908 uma população de  400 mil habitantes e crescia vertiginosamente. A época o Secretário da Justiça e Segurança Publica, Washington Luis, adepto do “novo” sistema de transporte o automóvel, descobria trajetos passeando de um lugar a outro chegando a Santo Amaro seguindo depois para Itapecerica, (que ganharia o nome Serra em 1944) e depois M’ Boy (Embu das Artes) atingindo A Vila de Pinheiros, na capital. Entra em contato com o prefeito Barão Raimundo Duprat que autoriza restauro de algumas vias e caminhos de São Paulo, pois esses caminhos antes eram de difícil acesso e pela precariedade dessas estradas que vez ou outra os veículos eram rebocados por juntas de bois para saírem dos atolamentos. Deste modo, por insistência de Washington Luís implantou-se o Circuito de Itapecerica com apoio do secretário da agricultura Candido Rodrigues e do engenheiro Clóvis Glicério que possuía conhecimentos adquiridos nos Estados Unidos em manutenção de sistemas rodoviários, sendo que a cidade de São Paulo ganhava ao mesmo tempo, também, novos calçamentos.
Palacete Matinico Prado-início do século 20
Palacete Matinico Prado-início do século 21

Em 1908 reúne-se em uma das salas da casa de Martinico Prado, no antigo Largo do Rosário, atualmente Praça Antonio Prado, os senhores Antonio Prado Junior, Silvio Álvares Penteado, José Paulino Nogueira Filho, Numa de Oliveira, e Clóvis Glicério para ouvirem Washington Luís, para inserirem um sonho de implantar uma corrida de automóveis em São Paulo.

Em 11 de junho de 1908 é fundado Automóvel Clube de São Paulo, para reunir o comitê para organizar a primeira corrida automotiva da América do Sul. Faziam parte do grupo neste dia os senhores Antonio Prado Junior, Silvio Álvares Penteado e Clóvis Glicério, com o intuito de ser marcada a data 14 de julho, em homenagem a data comemorativa da Festa da Federação de França, pátria mãe do automobilismo.
Elaborou-se o regulamento da prova onde constava:

1-Inscrições: Feitas na sede provisória do Automóvel Clube de São Paulo, casa de Martinico Prado, sala nº 7.

2-A inscrição será feita pela soma de 50$000 para motocicletas e 100$000 para todas as categorias de automóveis.

3- Categorias:
A - Motocicletas;
B – Voiturettes[1], veículos leves de 8 a 9 cavalos;
C – Automóveis com alésage (diâmetro dos cilindros) de 119 mm que compreende motores de 20 a 30 cavalos de potência;
D - Automóveis com alésage de 120 a 125 milímetros que compreende motores de 40 cavalos de potência;
E - Automóveis cujo alésage excede 125 milímetros com motores de 45 cavalos de potência;
As inscrições por cada veículo foi de 25$000(réis) e por motocicleta apenas 10$. No Parque Antártica havia uma numerosíssima platéia que pagava 2$000(réis) para assistirem a largada do evento. Havia ainda na antiga Galeria Cruzeiro e Galeria de Cristal venda de “poules” de apostas acumuladas. 

A GRANDE CORRIDA: 26 de julho de 1908

Todos confluíam para o mesmo ponto, os bondes elétricos estão apinhados de passageiros, da Lapa, Perdizes e Barra Funda os moradores resolvem irem a pé ou de bicicletas. Os mais abastados usam seus veículos motorizados de marcas variadas, francesas, alemãs, italianas, inglesas e americanas. Entre eles dois motorizados chamam a atenção dos transeuntes: um é o “touring tour” da Light and Power, o único automóvel elétrico de São Paulo, com potência de 15 cavalos; o outro é o Dumont, o único veículo do mundo que leva na marca o nome do ilustre brasileiro, lançado pela Columbus Motor Vehicle Co. de Columbia, Ohio. Pertence à empresa Ferreira & Saraiva, de São Paulo, é um “phaeton” de 24 cavalos de potência. Muitos não possuem condições para ver a largada da prova assim eles se deslocam ao longo do circuito, principalmente pela Avenida Paulista e Municipal, atual Doutor  Arnaldo, e na Rua Cerqueira Cesar, hoje a Rua Teodoro Sampaio, em direção a Pinheiros, na saída da cidade de São Paulo. Tudo isso é controlado por um contingente elevado de 450 homens do 1º Batalhão da Força Pública no percurso da cidade, auxiliados pelos corneteiros que ficam em locais de maior influência de populares que tocam anunciando a passagem de cada corredor da prova.
No trajeto estão postados auxiliares da prova com bandeiras de emergência sendo a amarela para sinalizar eventuais perigos eminentes onde cada piloto deve diminuir a marcha, e não se pode tentar a ultrapassagem, as bandeiras vermelhas é sinal de parada imediata e as bandeiras verdes sinaliza campo aberto sem perigo algum, copiando o primeiro “rally” de Targa Florio, na Itália, em 1906.
O abastecimento seria feito antes da largada e os tanques teriam combustível suficiente para o percurso idealizado, mas mesmo assim haveria latas de gasolina das companhias de petróleo francesas e americanas com o custo aproximado de 450 réis o litro.

O circuito era apresentado como um itinerário fechado, sendo o ponto principal na capital paulista, e que tem como principais pontos de passagem a cidade satélite de Santo Amaro, a de Itapecerica, o Convento-Igreja do Embu, e o prospero bairro de Pinheiros. O trajeto de pouco mais de 70 quilômetros e os melhoramentos implantados serão para os inscritos do evento “um passeio predileto para os automobilistas e motociclistas”. 

Em 26 de junho de 1908 seria preparado o primeiro rally de automóvel competitivo em São Paulo, corrida esta idealizada pelo Automóvel Clube de São Paulo, e seria o grande fato de comentários das rodas sociais. A aglomeração estava concentrada nas avenidas Paulista, Rua Taylor e Avenida Antarctica.

Tudo preparado para a 1º prova automobilística da America do Sul, os juízes Plínio da Silva Prado, Luís Fonseca e Francisco Gama Junior estavam a postos além dos cronometristas Edgard Conceição, Mário Cardim, Guilherme Rubião e Antonio Pederneiras estavam com  seus tempos acertados para o início da prova, e a largada será dada pelo presidente do Automóvel Club de São Paulo, Antonio da Silva Prado e que será iniciada as 12 horas e 55 minutos por George Haentjens, com o seu Lorraine Detrich, de 60 cavalos,o único carro inscrito na categoria E, com mais de 45 cavalos. Às 13:00 horas partiu Gastão de Almeida com outro Lorraine Detrich, categoria D, de 40 cavalos. Deste modo parte um a um com uma defasagem de 5 a 8 minutos, dependendo da categoria, tempo suficiente para assentar a poeira levantada por cada veiculo que partia na disputa. Quando o último voiturette se prepara para partir, estando no volante Ferrucio Olivieri, no Lion Pegeuot, categoria B, ouve-se o barulho do motor do carro de 60 cavalos,  o Lorraine Detrich de George Haentjens, que entra no Parque Antártica, terminado a prova as 14 hora, 26 minutos e 56 segundos, fazendo o percurso em 1 hora, 31’ e 55”, percorrendo 75 quilômetros  com um velocidade média de 48 Km e 900 metros.
Por ultimo saem as motocicletas Griffon de Eduardo Nielsen e Procópio Ferraz. Havia uma terceira de João Rosas, mas que resolve não correr. Assim todos saíram para a competição.São 14 horas e 34 minutos.

Das peripécias de nossos pilotos ainda tiveram que enfrentar dificuldades não previstas como o furto de um pneumático do senhor Alípio Borba. O senhor Oswaldo Sampaio teve dificuldades com seus pneumáticos, mas completou o circuito do Itapecerica em 2 horas, 41 minutos e 54 segundos!
O senhor Ricardo Vilela teve complicações com sua bomba d’água e na cidade de Itapecerica da Serra interrompe4u sua participação por aquecimento excessivo dos cilindros.

Todo o circuito para evitar surpresas desagradáveis foi percorrido pelos responsáveis da prova supervisionados pelo coronel Bento Canavarro por ordem da diretoria do Automóvel Clube de São Paulo que através de congratulações ofertou banquete ofertado aos membros do Automóvel Club do Brasil, em estima aos concorrentes fluminenses. Tal recepção foi presidida pelos senhores Ramos de Azevedo, representando o Automóvel Clube de São Paulo, do qual é vice-presidente, sendo ladeado pelos senhores Washington Luis e Aarão Reis, acompanhado pelo prefeito municipal interino Barão Raymundo Duprat, sentida a ausência do dr Antonio Candido Rodrigues, e uma comitiva representativa seguidos dos senhores Hernani Pinto, Joaquim Prates, Luiz Fonseca, Antonio Prado Junior, Luiz Prado, Gastão de Almeida, Numa de Oliveira, Aarão Reis Filho, Oswaldo Sampaio, Sá Rocha, representante do “Correio Paulistano”, Rocha Gomes, do “Diário do Comercio”, do Rio: dr Eduardo Faria e A. Bommer. A esquerda do dr. Washington Luis, estiveram a cerimônia os senhores S.  Moraes, José Paulino Nogueira Filho, Sylvio Penteado, dr Clóvis Glicério, dr. Paulo Prado, Alípio Borba, Alexandre Mendonça, G. C. Alexanderson, Plínio Prado, Procópio Ferraz, Mario Cardim, José Prates, E. Nielsen, F. Olivieri e F. Otte. Seguia a este banquete orquestra com peças muito bem escolhidas.

O senhor Rocha Gomes, em nome da imprensa do Rio e São Paulo brindou a prosperidade dos dois clubes e que foi seguido de um blinde a São Paulo na pessoa do Dr. Washington Luis e ao Barão Raymundo Duprat . Seguiu-se depois brilhante comitiva a via férrea da Light para assentar-se em carro de luxo, o mais importante carro da estrada de ferro, partido às 9:30 horas da estação.

O presidente de São Paulo, Antonio Prado, estando em viagem a Europa, enviou congratulações ao evento da corrida para o Automóvel Club de São Paulo
.
Quadro dos concorrentes à primeira corrida de automóveis-Circuito de Itapecerica

Nº1 George Haentjens, auto Lorraine Detrich, categoria E, mais de 45 cavalos.
Nº2  Gastão de Almeida, auto Lorraine Detrich, categoria D (Rio de Janeiro)
Nº4 Sylvio Penteado, auto Fiat, categoria D-
Nº5  Osvaldo Sampaio, auto Fiat, categoria D
Nº6  Alípio Borba, auto Diato Clement, categoria C
Nº7 Jordano laport, auto Renault, categoria C (Rio de Janeiro)
Nº8 Paulo Prado, auto Berliet, categoria C
Nº9 Luís Moraes, auto Bayard Clement, categoria C (Rio de Janeiro)
Nº18 B. Fúlvio, auto Diato Clement, categoria C
Nº19 Frederico Otto, auto N.A.G., categoria C (Rio de Janeiro)
Nº11 Antonio PRADO Júnior, auto Delage, categoria B
Nº12 José Prates, auto Lion Pegeuot, categoria B
Nº14 Ferrucio Olivieri, auto Lion Pegeuot, categoria B
Nº15 Procópio Ferraz, motocicleta francesa Griffon, categoria A
Nº12 Eduardo. Nielsen, motocicleta francesa Griffon, categoria A 

Todos estavam equipados com pneumáticos Pirelli.

Depois de um trajeto pelo leito empoeirado com rampas e curvas o Sr Prado Junior completava todo o circuito em “apenas” 2 horas e 10 minutos, numa “voiturette” (barata) da marca francesa  “Delage”.
Era um verdadeiro frenesi quando Sylvio Penteado passava com velocidade impressionante para a época de mais de 50 Km/h, de volta do circuito e se aproximava do cruzamento da Avenida Paulista co a Rua da Consolação, em direção ao Hospital de Isolamento (Emilio Ribas denominação desde 1932 e fundado em 1880) em direção a Rua Taylor. Era seguido por George Haentjens e Gastão de Almeida ases da melhor estirpe do momento, desciam o vale em fantástica velocidade e aonde o senhor Gastão de Almeida vinha com chances de vencer, pois em Santo Amaro mantinha uma diferença de 5 minutos em relação ao segundo colocado Sylvio Penteado. Seu carro vinha com problemas no deposito de óleo do Lorraine Detrich e por este motivo foi obrigado a parar. Superou o problema e completou o percurso com o tempo 1h 57min 45seg, chegando às 14 h 57min 45seg
Outro exemplar Delage Voiturette
 Fiat do Conde Sylvio Penteado no Circuito de Itapecerica em 1908

Na corrida, que teve início no Parque Antártica, tomaram parte somente amadores, cujos prêmios eram objetos de arte e medalhas. Coube ao Fiat do Conde Sylvio Penteado, na classe D, a categoria de maior força, lograr o mérito de ganhar a prova com o tempo de 1h 30min 05 segundos.

Houve toda a estrutura compatível a um grande evento sendo a competição assessorada por um serviço médico chefiado pelo doutor Arnaldo Vieira de Carvalho. 

Resultado da prova:

Categoria A (motocicletas)
1) Eduardo Nielsen (SP) - Griffon 1:54':48"
2) Procópio Ferraz (SP) - Griffon 2:42': 00"
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Categoria B (voiturettes de 8-9hp)
1) Antonio Prado Júnior (SP) Delage 2:05':15"
2) Ferrucio Olivieri (SP) Lion-Peugeot 2:05':15"
3) José Prates (SP) Lion-Peugeot 2:30':33"
4) Alípio Borba (SP) Diatto-Clément 2:05':53"
5) Frederico Otto (RJ) NAG 2:18':55"

Categoria C (20-30hp)
1) Jordano Laport (RJ) Renault 1:45':04"
2) Paulo Prado (SP) Berliet 1:51': 28"
3) Alípio Borba (SP) Diatto-Clément 2:05': 53"
4) Frederico Otto (RJ) NAG 2:18':55"
5) Luís Moraes (RJ) Bayard-Clément 2:49':23"

Categoria D (40hp)
1) Sylvio Alvares Penteado (SP) Fiat 1:30':05"
2) Gastão de Almeida (RJ) Lorraine-Dietrich 1:57':45"
3) Oswaldo Sampaio (SP) Fiat 2:41':54"

Categoria E (mais de 45hp-ÚNICO COPETIDOR DESTA CATEGORIA)
1) Jorge Haentjens (RJ) Lorraine-Dietrich 60hp (walk-over) 1:31':55"


Bibliografia:
CIRCUITO DE ITAPECERICA - A GRANDE CORRIDA O Estado de São Paulo de 28 de julho de 1908
CIRCUITO DE ITAPECERICA - O Estado de São Paulo de 28 de novembro de 1952
O Estado de São Paulo de 27 de julho de 1908 (TABELA)
Vergniaud Calazans Gonçalves, "A Primeira Corrida na América do Sul", Ed. Empresa das Artes, 1988, São Paulo.
Dois cineastas fizeram imagens deste evento, um deles era G. Sarracino e o outro Antonio Leal. Atualmente as reproduções (fotogramas) são usadas para ilustração deste momento histórico.


[1] Os voiturettes eram veículos leves dotados de motor de baixa potência, geralmente para duas pessoas e usado em caminhos difíceis, que foram usados em competições de rua, sendo mais barato do que os carros maiores. Os fabricantes construiam chassi mais leve, dando aos voiturettes capacidade para instalção de maiores motores de competição, embora os mesmos ainda possuiam baixa potência. Anterior ao Circuito de Itapecerica houve quatro eventos de voiturette em 1908, dois na Itália (ganho por Lion-Peugeot do Guippone e duas na França, o Grand Prix des Voiturettes, vencido por Delage do Guyot e o Coupe de L'Auto, que  admitia desde então carros de quatro cilindros, restringindo o seu tamanho de pistão em 65 mm e novamente impôs limites de peso máximo até 650 kg.


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