quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Rua do Jogo da Bola: O porquê deste nome

Jogo da Ferradura, Malha, Bocha e Ludopédio

O Homem é um ser social e com uma necessidade constante de sentido de pertença. Há muitas formas de socializar, mas uma das mais antigas são os jogos populares. Jogos antigos, cheios de tradição, que espelham momentos passados em épocas presentes. Baseados muitas vezes em situações de vida real ou representando cenários bélicos, permitem juntar pessoas diferentes proporcionando momentos de convivência com representação de saberes antigos.O jogo popular elege a diferença, afirmando a identidade, insensível à igualização massificante, atrai as pessoas como pessoas (...) o prazer da relação interpessoal, em que o adversário é o companheiro de jogo; o culto da amizade duradoura, o riso saudável ante o insucesso, a tolerância, o gosto das coisas simples, a ligação florida ao passado, a sua evocação lendária (António Cabral, in A Teoria do Jogo).

A primeira referência sobre à Rua do Jogo da Bola, que se tem notícia da cidade de São Paulo, data dos meados do século 18. Sabe-se que a Rua do Ferrador, assim denominada porque ali se ferrava cavalos, e de onde havia uma quantidade considerável de ferraduras usadas e que mais tarde serviram para ser o objeto da prática do esporte (originando através das ferraduras, originando o jogo de malhas) e que no hodierno é a atual Rua Benjamin Constant, próxima a Largo São Francisco, em São Paulo, e que foi primitivamente denominada de Rua Jogo da Bola, por causa do esporte nela praticado. Em escritura de 1766, o referido jogo está situado no Campo da Forca, no atual bairro da Liberdade, de fronte do Palácio em construção dos senhores bispos.

“Não quero, evidentemente, aludir ao Campo da Forca, o qual sofreu, como é sabido, uma estranha metamorfose para converter-se, ao cabo na Praça da Liberdade atual, mas  à Rua do Jogo da Bola, ou melhor, não à rua que assim se chamou, e que se chamou também de Ferrador, e recebeu depois  o nome de Benjamin Constant, que ainda conserva, e sim ao mesmo jogo da bola, tão importante, aparentemente, que conseguiu até ser nome de rua e não apenas em São Paulo, mas também em outras cidade brasileiras”[1].(citação de Sérgio Buarque de Holanda)
Largo Treze de Maio, denominação a partir de 1888 em Santo Amaro/SÃO PAULO. Na DÉCADA de 1940  era conhecido como Largo do Jogo da Bola. Em 1885, o nome foi mudado para “Largo Tenente Adolfo” porque ali ficava a loja do administrador Adolfo Pinheiro.

O que aconteceu com a rua, assim por ter sido objeto desse tipo de brincadeira, herdada dos portugueses e que deveriam ser comum à cidade, já que, no Campo da Forca, conforme diz o Auto da Posse transcrito, também se praticava o mesmo jogo. Quanto à característica popular do nome - não do jogo em si, pois segundo Sérgio Buarque, era mais próprio de fidalgos, na Idade Média - ou a sua vinculação a um fato comum, não se pode pôr em dúvida, o que não impedia, entretanto de ser reconhecida com topônimo pela Câmara, conforme se desprende de Ata de 25 de novembro de 1815:

...com determinação a mim escrivão fosse à casa do Brigadeiro José Arouche de Toledo e lhe participasse da parte desta Câmara mandasse tirar um formigueiro que se acha em seu quintal que fica na Rua do Jogo da Bola. (Ata, XXII, 45) (Holanda, Sergio Buarque de. Prefácio ao Livro do Tombo do Mosteiro de São Bento. p.28;29)

Jogo do Fito

Os portugueses possuíam o jogo popular, praticado assiduamente em todas as aldeias de Portugal em que se atirava bola ou malhas a um pino que se denominava “fito” (latim fictus) que tem o sentido de fixar, mirar, ou seja, colocado em um ponto determinado para ser alvejado em um campo de terra batida por bola ou malha, que pode ser geralmente de madeira, ou por um disco feito de aço que faz o sentido do jogo. Este jogo antigo não decorre de maneira alguma ao ludopédio, o futebol praticado por todo globo terrestre, pois é anterior a essa prática[2].

(Ref. Editora Abril-Florença Medieval)

O jogo de Malha teve origem no trabalho de ferrar os cavalos do exército romano, quando as legiões paravam nas cidades indo às estrebarias cuidarem dos animais, sendo que as antigas ferraduras eram substituídas por novos cravos e novas ferragens forjadas. Nos acampamentos os soldados estacionados em suas centúrias ocupavam as horas nos acampamentos atirando as ferraduras antigas em um marco, estaca fixa, colocada a certa distância no campo do alojamento.

Em Portugal, este tipo de esporte ganhou as ruas se popularizando como arremesso de ferraduras ou malhas, ganhando o nome de chinquilho ou jogo do fito.
O jogo da malha, ou de ferraduras, foi trazido por imigrantes portugueses para o Brasil como passatempo na Colônia. Destaca-se que em São Paulo, desde 1890, faltando lazer mais apropriado para a massa trabalhadora houve a disseminação do jogo de malha como divertimento no termino da jornada. Usavam peças rudimentares como pedras, ferraduras, pedaços de chapas de ferro ou aço, sem um padrão determinado, tanto na dimensão do campo quanto ao pino, pois evidentemente não havia regulamentação para a prática do jogo[3]. Tudo era válido para conseguir o intento de acertar o pino colocado a certa distância, sendo permissível certa tolerância para o divertimento coletivo.




Referência:
DICK, Maria Vicentina de Paula do Amaral. A Dinâmica dos Nomes na Cidade de São Paulo(1554-1897). São Paulo: Annablume Editora, 1997.




[1] Em Santo Amaro, consta que a mesma referência “Rua do Jogo da Bola”  foi determinada como o ponto central da antiga cidade, ao lado da Igreja Matriz, sendo que possuía administração independente da cidade de São Paulo de 1832 a 1935, e que foi a primeira denominação do atual “Largo 13 de Maio”, referência ocorrida com a homologação da Lei Áurea de 1888.  
[2] Parece não haver dúvidas que o jogo de bocha surgiu na Península Italiana durante o Império Romano, quando era praticado com o nome de "boccie", sendo levado pelos exércitos para a França,(onde há o registro da prática em documento de 1644) Espanha, Portugal, com transformações várias transformações ao longo do tempo. O padre Raphael Bluteau, pregador da Rainha de Inglaterra, define o jogo do Fito no seu livro Vocabulário Português e Latino,  datado de 1713: Fito – um pauzinho fincado no chão (…) coisas que atiravam os antigos em diferentes jogos. Fito também se chama o jogo em que se põe um tijolo em pé, a que se atira para o derrubar ou para ficar mais perto dele. Parece-me que se pode usar destes termos por ter este jogo alguma semelhança com o dos antigos atletas romanos.
[3] Forma-se equipes de dois elementos com o objetivo de derrubar o pino (fito) ou colocar as malhas o mais perto possível do pino, somando pontos ao longo do jogo em lançamentos alternados.

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