sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Um dia minha mãe partiu!

As guerreiras sobrevivem para sempre!
Hoje faz dois anos que uma das pioneiras do bairro Jardim São Luiz, região de Santo Amaro, em São Paulo, Elza dos Santos Fatorelli, partiu.
Poderíamos dizer que a saudade ficou, mas acredito que mais que tudo ficou o exemplo. Na década de 1950 só a garra de mulheres e homens conseguiriam lutar para construir o bairro Jardim São Luiz, uns morador aqui outro ali, casinhas de gente como a gente. Não havia nada, absolutamente nada, nenhum mercado, nenhuma farmácia, nem ônibus e se quisesse transporte teria que ir até onde hoje é o Terminal João Dias, muito barro para amassar, mata fechada, cobras para todos os lugares, mas era ali que íamos viver e lutar.
Toda mãe tem grande parcela na formação dos filhos e não podem deixar a “peteca cair”. O dinheiro era pouco, não circulava com tanta facilidade e os parcos recursos tinham que sustentar a casa de mês a mês e tinha que dar para o gasto. Em muitas casas haviam hortas para plantas diversas, verduras, legumes, alguma fruta e era tudo orgânico não havia veneno e tudo estercado com restos de talos de tudo que não virava alimento.
Quem era a cozinheira? Toda santa mãe, não havia enlatados disso e daquilo, era tudo na raça, cozer todas sabiam e coser as roupas também sabiam. O pai estava na labuta diária e a Ministra da Economia era a mãe e fora isso tinha que trazer água no sarilho, 35 metros cavados bem fundo na terra, encher as tinas e os baldes que eram os chuveiros pendurados numa roldana e de água fria fizesse calor ou frio, os braços dela tinham músculos, eram toras de força, era sua academia diária...
A mãe não batia cartão em empresas, mas trabalhava desde quando o sol nascia até quando ele descansava no horizonte e a noite ainda fazia o preparo do jantar e acendia as lamparinas de querosene ao redor da casa, luz elétrica nem pensar.

Nunca vi minha mãe reclamar de trabalho e pela manhã fazia o café bem cedinho, fumegante exalando o aroma pela madrugada, para meu pai sair pedalando pela vida indo de bicicleta pelas margens do Rio Pinheiros trabalhar no centro de São Paulo. Depois me preparava para ir para a escola e dizia que era “para eu ser gente”, não sei se consegui, mas se não, não foi culpa de minha mãe.
Quando meu pai “foi para o Céu” ela assumiu o papel de homem também e era forte, firme, eu que o diga das pancadas que tomei e nenhuma foi perdida e ainda era uma administradora de primeira, uma advogada sem diploma, um rábula.
Domingo era sagrado, todos se arrumavam para ir à missa agradecer a Deus o pouco que tinham, e mesmo pouco, tínhamos um lar, se não tão bonito quanto os de hoje era um barracão de madeira muito bem feito e aconchegante. Era também o dia de festa e de um prato especial saído das criações costumeiras do terreiro da casa, frangos, galinhas, patos, leitões, alguém iria para panela fervente.
Enfim era assim minha mãe, nunca vi um lamento, nada que ela transmitisse fraqueza e foi o braço direito de meu pai e minha maior Educadora, uma rocha inquebrantável.

Muita coisa poderia ser falada, mas acho que isso recorda um pouco de sua imagem, deixou frutos... sua benção, descanse em paz mãe!